sábado, 3 de março de 2012

Uma Antologia - Armando Pinheiro


Pé ante pé, virei depois sentar-me
junto de ti a conversar contigo
e a tua boca poderá beijar-me
como agora que sou um corpo vivo.

 E, docemente, poderás contar-me
de ti, dos filhos. E o que eu te digo
irás na mesma ouvindo, sem alarme,
e quase julgarás estar comigo.

Serei tua visita nas lembranças,
nos móveis, nos objectos, nas crianças,
nos pássaros, nas árvores, nos versos.

Tu, como quem arruma a casa, calma,
saberás encontrar a minha alma
reunindo os fragmentos mais dispersos.

Armando Pinheiro

"O Corpo vivo da poesia de Armando Pinheiro, tal como surge diante dos meus olhos de leitor de versos, organiza-se segundo duas marcas fundamentais: por um lado, o rigor e a autoconsciência e, por outro, a emoção dos sentidos e a emoção do pensamento, isto é "a vida toda num único poema": a vida da poesia ao mesmo tempo que a múltipla vida da própria vida. (…) Poeta das emoções (no complexo sentido que antes ficou esboçado), Armando Pinheiro é também um poeta do pensamento, e a conclusividade perplexa e sage é, do mesmo modo, outra das marcas centrais da sua poesia. O facto de ter resistido até tão tarde a publicar um livro é talvez um sinal da manifesta imperatividade interior desta poesia, a sua sábia e funda humildade sendo, pois, não afectação (nem sequer "fingimento sentido", como Pessoa diria), mas expressão de maturidade humana e intelectual, de vivida vida longamente acumulada na razão e no coração que, subitamente, pelo singular milagre da poesia, pode cristalizar num verso: "Quanto sol e quanta chuva são preciosos/ para amadurecer uma única uva!"". (Do Prefácio de Manuel António Pina) Uma Antologia de Armando Pinheiro.

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